Quando fizemos o Baai Si em 2006 Si Fu comentou que muitas vezes o chá da cerimônia seria amargo para trazer o alerta de que apesar de momentos bons uma relação vitalícia também tem seus desgastes.


Quase 20 anos depois, a memória já me trai e não lembro qual chá minhas Si Jeh Paula e Xênia escolheram, imagino que algo fancy que as duas ficaram em batalha para decidir. Na dúvida o bom e velho Oolong ou Chá Branco são boas opções.



Mais tarde, trabalhando com meu Si Suk Jones (Bauman) em um episódio sobre Pessach da Yehudim.TV o convidado comentava sobre o Maror, uma erva intragável que seria consumida para lembrar das  agruras que o povo passou no Egito. Equilibrando a celebração da vida com o alerta das dificuldades que possam ser enfrentadas. 

Minha avó comentava algo sobre não haver mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. Não com essas palavras, algo mais simples como “vai passar” que ela usava quando estávamos felizes ou tristes. 

Si Fu comentou certa vez do conceito budista de impermanência, mas deixemos para outro momento (já devo ter escrito sobre isso), só parece ser algo que percorre todas as culturas mais antigas. 





Uma das primeiras informações falsas que a internet espalhou era um texto de que a vida deveria ser vivida ao contrário do comediante Sean Morey seria do Charles Chaplin - isso ainda na década de 90 do século passado: 

“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Poxa, a vida é dura! Ela demanda muito do seu tempo. O que você ganha no final? A morte! O que é isto, um bônus? Eu acho que o ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhamos um relógio de ouro e vamos trabalhar. Então você trabalha por 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar a aposentadoria. Aí você vai pra faculdade, curte tudo, bebe bastante, usa drogas, faz festas, tem sexo e se prepara para o colegial. Depois você vai para a escola primária, vira criança, brinca, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho no colo, volta para o útero da mãe, passa seus últimos nove meses flutuando… e termina como um brilho no olho de alguém”

É uma ideia bem interessante, não sei qual o ganho de atribuí-lo a outra pessoa, 



Mais tarde, quando fundamos a White Fox nos idos de 2009/2010, a empresa era totalmente remota, mas tínhamos um escritório no Downtown pois alguns clientes insistiam em reuniões presenciais. Como eu não tinha uma infraestrutura adequada em casa, acabava indo sozinho trabalhar no escritório. Era o pior dos dois mundos: perdia horas no trânsito e trabalhava sozinho a maior parte do tempo. A única vantagem era a proximidade do Mo Gun.

Para não ficar tão sozinho eu ia até a Starbucks do Shopping e pedia coisas demoradas. Ao menos um café na prensa francesa para ficar umas horinhas por lá sem questionarem o que eu estava fazendo. O João, um dos atendentes que eu fiz amizade, me apresentou o Caramelo Machiatto. 

Basicamente é um Machiatto, leite vaporizado chatinho de acertar o ponto, onde vc coloca uma ou mais doses de café expresso e preenche com caramelo. 

Como o leite vaporizado é um coloide espesso, a bebida não mistura corretamente e vai mudando de sabor conforme vamos bebendo. Ela começa neutra, fica mais amarga e termina bem doce, pois o caramelo se deposita no fundo.

Comentei com o João que o Caramelo Machiatto me lembrava o texto atribuído ao Chaplin, a vida começaria mais amarga e iria terminando doce. Ele me corrigiu e apresentou o Caramelo Machiatto gelado.

Da mesma forma, é uma quantidade grande de leite com gelo onde se deposita o caramelo e o café expresso. Como na versão quente, ela não mistura totalmente entretanto o café fica na parte de cima. Sendo consumida com o canudo o normal é começar com a parte mais doce e vai amargando até sobrar o gosto de café passado com gelo.

“A vida é isso, começa docinho e termina horrorosa” dizia o João e eu ria. Sempre alternei entre as duas, curiosamente gosto de seguir o clima: se está quente peço quente, no frio a fria.

Hoje eu acho que a vida é mais próxima do caramelo Machiatto frio mesmo, não por concordar com o João. 



Como ele é consumido com canudo, é possível variar a profundidade de onde se está bebendo. Assim podemos encontrar pontos mais doces ou amargos, sem ter o controle total pois a mistura é irregular: Tem momentos que tentamos algo doce e erramos ficando amargo, em outros buscamos o amargo erramos novamente e vem doce.

A arte é dosar no ponto entre o amargo e doce que desejamos para nossa vida e assim o curtirmos até o final.



A cada dois ou três anos o Si Fu esquece que já provou uma das duas iguarias. A expressão de nojo com a bebida doce é sempre a mesma. A última vez foi ano passado em Portugal, pouco depois dessa foto se não me engano. Um dia acertarei o ponto exato para que não seja tão doce, nem tenha gosto de café passado.

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Thiago Silva

梅 知 友 士

Moy Chi Yau Si