O dia começou às 5:30 da manhã com todos fazendo a sequência do Siu Nim Tau no quintal da casa do Si Fu. Tendo dormido tarde na noite anterior, estava um tanto cansado mas disposto. Estávamos todos descalços na grama molhada e grossa em um terreno irregular. Eram condições inéditas para a prática para mim e acredito para vários dos demais. Si Fu tinha falado antes do dia começou às 5:30 da manhã com todos fazendo a sequência do Siu Nim Tau no quintal da casa do Si Fu. Ele tinha falado antes de sua intenção de criar situações adversas assim durante a imersão pois acreditava que certas coisas só podem ser desenvolvidas nestas situações. Mas cheguei com a intenção de ‘ignorar’ aquilo tudo, de não deixar ser afetado pela novidade da situação e simplesmente fazer a sequência da melhor forma possível. Tive a mesma atitude quando Si Fu pediu para que fizéssemos o Gan Gai Dan Glap, onde se mantém uma perna suspensa durante a execução da sequência. Acredito que eventualmente isso de fato aconteceu, eu me acostumei com a situação.
Fizemos
depois uma prática dinâmica entre todos os presentes onde se formavam
pares para abordar algum dispositivo do sistema de acordo com o nível de
cada um. Pensei que tinha me acostumado com a situação mas o dinamismo
criou outra dimensão à experiência. Porém, novamente a questão do
terreno deixou de ser uma questão, e me vi lidando com os mesmos
desafios que geralmente tenho na prática.
Para encerra esta
parte da manhã, Si Fu pediu que cada um falasse um pouco de sua
experiência. Compartilhei a minha estratégia de ignorar a novidade da
situação, de me acostumar em vez de me adaptar de forma mais
inteligente. Uma breve reflexão me fez pensar que essa seria uma
estratégia um tanto pobre. Si Fu confirmou isso, e disse ali que algumas
situações não importantes e aleatórias são justamente isso, mas se
quisermos nos aproveitar delas temos que trazer importância a elas. Ele
citou o exemplo de servir chá. Falei que sempre tive dificuldade em
apreciar essas “coisas simbólicas”. Algo que eu acredito, mas não
compartilhei na hora, é que muitas vezes a reflexão sobre temas
abstratos podem se tornar ruminações pouco benéficas. Quando o tema não é
suficientemente concreto, é possível forçar de forma proposital ou não
qualquer conclusão. Como consequência tenho a tendência de diminuir ou
ignorar estes aspectos. Si Fu apontou ao fato que estamos mais
ambientados ao simbólico do que imaginamos e deu como exemplo
simplesmente responder quando alguém chama seu nome.
Eu
compartilhei também minha impressão de que a única experiência que
consigo gerar para os outros de forma consistente é de a de tutorização,
ou seja, dos outros tentarem me transmitir algo, por falta de
habilidade técnica da minha parte de criar situações legais. Isto não foi pontuado pelo Si Fu (na
hora), mas é algo que tenho em mente com frequência.
Depois
voltamos para dentro da casa e o grupo se dissipou, alguns usaram o
tempo para tomar banho ou escrever a primeira parte de seu diário de
bordo. As 10 todos nos reunimos para assistir o vídeo de estreia do novo
canal YouTube da Si Mo. A qualidade foi realmente impressionante para
um primeiro vídeo. Ela falou bem brevemente do processo de 2 dias bem
intensos para filmar e editar este e mais 7 vídeos, mas ficou evidente
que o processo teve Kung Fu.
Após o vídeo tomamos café da manhã e
passamos um bom tempo conversando sobre diversos assuntos. Me lembro
mais nitidamente do Si Fu falando sobre psicanálise, e da
incompatibilidade que ele enxerga entre ser o melhor possível em análise
e viver disso. Perguntei se a visão dele para o Ving Tsun também era de
separar a parte financeira da transmissão, pois lembrei que ele uma vez
falou que tinha o desejo de criar um caminho sustentável para aqueles
que optam por transmitir o sistema Ving Tsun. Ele falou que sim e que
esse plano era o Programa Fundamental, que ele também gostaria de
abordar nesta e em futuras imersões. Espero poder ver este tema ser
abordado, acredito que vai ser muito interessante ver o desenvolvimento
técnico e também de negócio do Fundamental.
Na parte da tarde,
todos acompanhamos a Si Mo para tirar fotos de casas, uma em construção,
que foi a primeira que ela vendeu como corretora, e duas já prontas.
Depois almoçamos em um buffet chinês e passamos na Lowe’s para comparar
alguns materiais para casa.
De noite, saímos para dar uma volta e tentar achar lugar para 10 pessoas em um restaurante. Demos sorte de conseguir um lugar no restaurante favorito da Si Mo. Depois tivemos uma prática perto do restaurante. Não esperava aquilo mas foi interessante. Tinha em mente aquele questão que levantei de contribuir, e aparentemente o Si Fu também. Si Hing Antunes fez uma colocação interessante: de que nossos chi sau são parecidos, que cometemos os mesmos erros e que não é tão interessante assim nossa prática, que nossa “taxa de Siu Sau” era mais ou menos igual. Uma das formas de que eu mediria minha capacidade de contribuir seria o “calor” que fiz o outro passar, e sob essa perspectiva eu julgaria que minha contribuição foi melhor pelos mesmos motivos que o Si Hing diria que a prática não foi tão interessante. Si Fu comentou que a melhor forma de contribuir seria sintonizar com o outro e permitir que este enxergue seu próprio Kung Fu. Tive uma experiência assim com Si Hing Guilherme antes de viajar. Eu não tinha passado “calor” ou algo do tipo, mas comentei com ele o quanto eu tinha aproveitado aquela hora mais ou menos de chi sau porque consegui perceber o que eu consigo fazer em termos técnicos de chi sau e de entender o quanto dessa capacidade é consciente. Isso muitas vezes gera mais valor do que vários socos e um prática mais "heroica".